O bom condicionamento acústico como fonte adicional de rendimento em bares e restaurantes
Os bares, cafés e restaurantes estão profundamente enraizados na cultura espanhola. São lugares que identificamos com a socialização, a amizade, a diversão e a descontração, mas que também servem cada vez mais como lugares de trabalho e inspiração, dando origem a relações comerciais.
O segmento de negócio da restauração é uma parte importante do motor económico do país vizinho, representando cerca de 6,5% do PIB [1]. Espanha é o líder mundial em número de bares e restaurantes, com um estabelecimento por cada 175 habitantes, ou seja, quase 280 000 estabelecimentos [2].
No entanto, apesar da popularidade do setor e da quantidade de tempo que as pessoas passam dentro destes espaços, infelizmente não é raro visitar bares ou restaurantes cujos níveis de ruído são tão elevados que é impossível manter uma conversa sem sobrecarregar a voz. Aliás, o ruído é a queixa mais comum entre os clientes, ultrapassando as queixas por um mau serviço [3]. Por vezes, os níveis de ruído ultrapassam valores que podem ser prejudiciais à saúde e causar danos auditivos [4,5].
A complexidade do desenho acústico
Para além de uma má ou mesmo inexistente planificação acústica durante a fase de desenho e configuração do espaço, existem outras causas que podem contribuir para que o ambiente acústico de um restaurante seja desagradável: as novas tendências de design que, muitas vezes, dão prioridade aos espaços abertos com superfícies altamente refletoras, tetos expostos com as instalações à vista, cozinhas abertas, música ao vivo, uma elevada densidade de mesas e proprietários que desejam ter um ambiente animado e/ou ruidoso como marca da popularidade do negócio. A prova disto são alguns estudos que revelam que os níveis elevados de ruído podem fazer aumentar o consumo de bebidas [6,7], e que o ruído (e o tipo de ruído) pode alterar tanto o sabor como o cheiro das bebidas [8,9,10]. Estes últimos fatores podem muitas vezes contrariar e comprometer o bom condicionamento acústico e o conforto de determinados tipos de estabelecimentos.
O caso de estudo do restaurante Cre-Cottê
Após inúmeras queixas (quase diárias) de clientes e trabalhadores relacionadas com o ruído, o proprietário deste restaurante de Madrid decidiu proceder ao acondicionamento acústico do espaço para melhorar o conforto acústico interior e a experiência do cliente. Para este efeito, foram instalados painéis fonoabsorventes de fibra de vidro de classe A (marca Ecophon) no teto do restaurante, combinando design e acústica, como se pode ver na imagem.
Para avaliar o efeito desta medida, levada a cabo em março de 2018, foram realizadas três ações:
- Avaliação subjetiva dos clientes através de um inquérito, tanto antes do projeto (fevereiro de 2018, com 194 participantes) como após a remodelação (abril de 2018, com 182 participantes). Estes inquéritos foram entregues aos clientes juntamente com a conta e incluíam perguntas relacionadas com o ambiente sonoro, o serviço, a comida, etc.
- Medição de diferentes parâmetros acústicos objetivos (tempo de reverberação, clareza da fala, ruído) efetuadas de acordo com os procedimentos descritos na ISO 3382 antes e depois da renovação do espaço.
- Análise financeira com o objetivo de comparar a faturação 6 meses antes e 6 meses depois do condicionamento acústico.
As conclusões foram as seguintes:
− Após a introdução de material absorvente no teto, todos os parâmetros acústicos objetivos (tempo de reverberação, clareza da fala e potência sonora) melhoraram de forma considerável.
− Após a remodelação do estabelecimento, a análise estatística dos inquéritos revelou uma melhoria no nível de satisfação dos utilizadores em relação aos níveis gerais de ruído e à facilidade para comunicar com os outros comensais.
- Como consequência direta, também melhoraram as avaliações nas plataformas online.
No “El Tenedor” subiram significativamente de 8 para 8,4. Sem dúvida em resultado da remodelação acústica, uma vez que as avaliações já eram muito altas quanto ao serviço e à qualidade da comida. Este tipo de informação é de grande importância para um estabelecimento desta natureza. Os estudos demonstram que 90% dos clientes leem as avaliações online antes de escolherem um estabelecimento e 88% confiam tanto nas críticas online como nas recomendações pessoais. Também foi demonstrado que os clientes gastam mais 31% em estabelecimentos que tenham recebido boas avaliações online.
- A faturação dos primeiros seis meses posteriores à remodelação aumentou 11% em comparação com o mesmo período do ano anterior (sem alterações nos preços) e o tempo de retorno sobre o investimento foi de seis meses. A atividade do restaurante não foi interrompida durante a instalação do material.
NOTA: Este estudo foi apresentado na Conferência Internacional de Acústica Internacional da Internoise 2019.
Então, qual é o desenho acústico ideal para um restaurante?
A resposta mais curta é que não existe uma boa solução acústica que se adapte a todos os estabelecimentos. Costuma ser necessária a presença de um engenheiro acústico para estudar cada caso. O desenho acústico é interdisciplinar e engloba conhecimentos de física, arquitetura, psicologia, higiene, etc. Também há que ter em conta outros fatores (económicos, científicos, diferenças individuais, etc.) e intervenientes (proprietários, clientes, instituições, etc.) que influenciam a solução. Além disso, a fala é uma fonte sonora individual, dinâmica e imprevisível, que é percecionada de forma diferente por cada pessoa. Existem muitos tipos de restaurantes (por exemplo, os de comida rápida e os mais tradicionais) com características e necessidades diferentes (mobiliário, tamanho, forma e acabamento), o que torna difícil encontrar uma resposta global. No entanto, para controlar os níveis de ruído de um determinado estabelecimento, é necessário ter em conta os seguintes fatores:
- Tempo de reverberação e níveis de pressão sonora, para que os níveis de som no espaço não aumentem.
- A introdução da absorção do som na sala através de um teto acústico e painéis de parede de Classe A revelou-se muito importante [4] e é a primeira medida imediata a considerar. Irá ajudar a cumprir o único parâmetro que está regulamentado no Código Técnico de Construção para restaurantes (limitado a um máximo de 0,9 segundos).
- Clareza da fala, para que seja possível conversar sem erguer a voz.
- Os painéis de parede fonoabsorventes permitem que as conversas entre os comensais sejam inteligíveis, uma vez que evitam as reflexões tardias.
- Aspetos relacionados com a privacidade, para que ninguém se sinta desconfortável ao saber que a sua conversa estar a ser ouvida pela mesa do lado.
Bibliografia
- KPMG, “Anuario de la restauración organizada en España” (Anuário do negócio organizado da restauração em Espanha), Setembro 2018. Disponível online em: https://bit.ly/2Rdd6tg
- Mapal Software, “Estadísticas sobre la restauración en España” (Estatísticas sobre o setor da restauração em Espanha), Novembro 2018. Disponível online (consultado em 23/11/18): https://bit.ly/2KZt5r1.
- Zagat survey (online: consultado 20/11/18). Disponível em: https://bit.ly/2PTo22F
- J.H. Rindel, “Suggested acoustical requirements for restaurants, canteens, and cafeterias”, Proceedings of BNAM 2018, 15-18 April, Reykjavik – Iceland (2018).
- P.G. Pinho, M. Pinto, R. M. S. F. Almeida, L. T. Lopez, “Aspects concerning the acoustical performance of school cafeterias”, Applied Acoustics (136), pp.36-40 (2018).
- N. Guéguen, H. Le Guellec, C. Jacob, “Sound level of background music and alcohol consumption: An empirical evaluation”. Perceptual and Motor Skills, 99, pp. 34-38, 2004.
- N. Guéguen, N. C. Jacob, H. Le Guellec, T. Morineau, M. Lourel, “Sound Level of Environmental Music and Drinking Behaviour: A Field Experiment with Beer Drinkers”. Clinical and Experimental Research, 32, pp.1795-1798 (2008).
- L.D. Stafford, M. Fernandes, E. Agobiani, “Effects of noise and distraction on alcohol perception”, Food Quality and Preference”, 24, pp. 218-224 (2012).
- A.T. Woods, E. Poliakoff, D.M. Lloyd, J. Kuenzel, R. Hodson, H. Gonda, J. Batchelor, G.B. Dijksterhuis, A. Thomas, “Effect of background noise on food perception” Food Quality and Preference, 22, pp. 43-47 (2011).
- A. Fiegel, J.F. Meullenet, R.J. Harrington, R. Humble, H.S. Seo, “Background music genre can modulate flavor pleasantness and overall impression of food stimuli”, Appetite, 76, pp. 144-152 (2014).